Mesa de Bar

Três velhos amigos se encontram em um boteco do centro de São Paulo pra algumas rodadas de chope…

_E aquele de 1977? Ta lembrado, Chaça? O “Massacre do Morumbi”, histórico?
_Ô, se to, Navalha! Aquilo lá foi fenomenal. Um massacre mesmo, impressionante. E ninguém tava esperando. O povo tava literalmente dormindo.
_Dizem que o mérito é da turma do Jair. Ces concordam?
_Tá louco, Boina?! O Jair não tava com essa bola toda, não. Esse aí era café-com-leite ainda, tava começando. Nem tinha o domínio da coisa direito.
_Ah, falou, viu? Então ce quer dizer que em 83, quando ele mandou aqueles 12 pro espaço, o Jair já tinha aprendido tudo o que precisava? Ce não tá querendo dizer que ele é um gênio da arte, né?
_Pó pará! Aí também discordo de vocês. Nunca vi um gênio nesse meio. Quer dizer, só o Claus. E olha lá!
_Vai à merda, Chaça! O Claus era um alemãozinho de merda, metido a besta! O cara era tão sujo, tão sujo, que eu, que já pendurei a chuteira e tenho uma puta experiência no assunto, fico constrangido até hoje com a
safadeza do cara.
_Também fiquei sabendo dessa fama do Claus, Nava. Tem um boato forte aí que diz que ele era só mandante, não fazia
nada. E nem mandar sozinho sabia. Parece que tinha sempre uns 3 ajudando a planejar tudo.
_Era um frouxo de merda. Assim até minha avó Zilda, que treme quando pega uma Uzi na mão por causa do Parkinson.
_Porra, Nava, não mete avó no meio, aqui no bar. Pior que avó, só mãe.
_Puta, foi mal. É que só de lembrar do estilo do cara já fico irritado…
_E aquela que até hoje ninguém sabe quem foi, em 70, lá em São Januário, no Rio?
_Essa é clááássica, Chaça. Ninguém tem certeza, mas uma vez encontrei um cara em Ramos que reivindicou a autoria. Nem vou falar o nome porque não acredito no mané. Ces sabem, não dá pra confiar, nesse meio todo mundo
sempre conta vantagem. E ficar espalhando fama dos outros não é bom pra gente, o mercado tá concorrido…
_Total, Boina. Conheço gente que mataria a própria família pra ser conhecido como o autor daquilo. Foram 13, né?
_Por aí. Era um cortiço, tinha muita gente…
_Também teve aquela no Pacaembu, em 82. Foram 9 de uma vez só.
_Claro que to ligado. Fui eu.
_Há! Você o cacete, Nava!
_Tá duvidando, Boina??? Por que ce não acredita em mim?
_Ce nunca teria feito um negócio daquele. Foi perfeito. A polícia só descobriu 3 dias depois!
_Aquele pessoal não devia ser muito bem visto na vizinhança mesmo. Magina só, perceberem que você morreu só 3 dias depois…
_Olha, Boina, se ce acha que não é capaz de fazer aquilo, não vem jogar o seu complexo de inferioridade em cima de mim, beleza?
_Nava, antes que eu me esqueça, vai pra puta que te pariu. Eu sei muito bem que não foi você que pegou todo mundo porque eu tava lá e vi com meus próprios olhos. Eu era da gangue, sacou? Tenho até foto do episódio.
_Tem, sim. Acredito, viu?
_Olha, cara, vai parar de me tirar ou não? Se não parar, a gente resolve aqui mesmo!
_Pessoal, pessoal, vamo pará, vai. Pra que brigar, que idiotice. Vamo continuar aqui, com o nosso chopinho numa boa…
_Cala a boca, Chaça. O cara me ofendeu! Num te mete!
_Peraí, Nava, cala a boca você, porra! Eu to tentando apaziguar os ânimos e levo pedrada???
_Pedrada, não, mas pipoco leva, sim!
_Que isso, Nava, abaixa essa arma aí, cara! Não é pra tanto!
_Tá nervosinho, é, Navinha? Tá? Então toma, seu matador de merda!

Tiros e mais tiros. E, apesar da correria, ninguém no bar escapou. Nem o dono do bar, que contrariava a regra de mercado na periferia que proibe o fiado.
Os policiais que entraram depois no local do crime jurariam que o piso do bar sempre fora vermelho, cor de sangue. Saldo da querela: 23 mortos. Como não sobrou ninguém pra contar a história, até hoje os matadores profissionais tentam descobrir quem foi o autor do “Massacre do bar do Almeida”, como ficou conhecido o desentendimento entre Boina, Chaça e Navalha.

(Originalmente publicado aqui.)

atilac seg 24.mar.2008 05:34:00

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